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“A culpa pelo crise no IML é toda do Estado ”


06/10/2012
Gazeta de Alagoas

Preso por liderar uma greve de médicos-legistas, o presidente do sindicato da categoria em AL, Wellington Galvão, lembra que a experiência “foi algo muito difícil”


Antes de receber a reportagem da Gazeta para a entrevista, o presidente do Sindicato dos Médicos, Wellington Galvão, tinha acabado de assinar o acordo mediado semana passada pelo Tribunal de Justiça, que pôs fim à greve dos médicos-legistas do Instituto Médico Legal (IML) de Maceió.

Paralisação semelhante já havia ocorrido no mês de julho, mas além do acirramento decorrente do sentimento de insatisfação dos profissionais e da angústia de parentes que aguardavam a liberação de corpos de seus familiares para sepultá-los, a paralisação desta vez contou com um elemento a mais de dramaticidade: a prisão do presidente do Sindicato dos Médicos, a pedido do Estado, por descumprimento de decisão judicial determinando retorno imediato ao trabalho.

Nesta entrevista, Wellington Galvão fala do episódio, admite que foi embaraçoso, mas diz considerar que faz parte de sua missão como sindicalista e esclarece sobre a liberação dos corpos: legalmente, estes não pertencem mais à família, mas ao Estado, ao ente público, que deve prover os exames necessários para não deixar dúvidas sobre as causas de mortes violentas – o que, em outros países, pode levar até um mês.

“Aqui se criou a cultura de liberar imediatamente – o que pode causar prejuízo para as próprias famílias”.

GAZETA – O que o senhor destacaria dos termos do acordo firmado com o governo e que levou ao fim da greve dos médicos-legistas?

WELLINGTON GALVÃO – O principal é a melhoria das condições de trabalho. São as condições que vão permitir ao médico-legal poder fazer uma Medicina Legal melhor, isso foi um grande avanço. Isso foi consequência do fechamento do antigo IML, que já deveria ter sido fechado há muito tempo. Foi a coragem dos médicos-legistas de irem para a luta. E foi esse enfrentamento que levou ao fechamento e a essa situação de instabilidade.

Na prática, o que é essa melhoria? Por exemplo, quais são os prazos que o acordo prevê?

Essa melhoria, adaptada, tem prazo de trinta dias. Para que se monte em três salas de aula, lá no CCBi [Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Alagoas], um IML improvisado que seria para funcionar até a construção do novo IML, o qual ainda terá a obra iniciada. Ele está em fase de licitação. Mas existem questões que vão ficar pendentes, como o [aparelho de] raio-X, o laboratório forense adequado, que são essenciais para uma Medicina Legal de qualidade. Então, as condições de trabalho, hoje, ainda não são as ideais. A própria sala para os exames de corpo de delito, para exames de conjunção carnal, que seja montada lá, mesmo improvisada, que seja de uma qualidade melhor, que se ofereça um serviço melhor à população do que se dava anteriormente.

E como ficou a parte salarial?

Na questão salarial, a gente conseguiu avançar. O que se pagava a um médico legista era uma vergonha. Para se ter uma ideia, essa bolsa, tão propalada pelo governo, a proposta para ela, inicialmente, era de R$ 1,7 mil. E a gente conseguiu avançar até chegar a R$ 3,5 mil. Então, não poderia ter feito tudo sem precisar ter essa confusão, ter paralisação? Poderia, se houvesse o diálogo, se houvesse o entendimento. Mesmo assim, com essa bolsa, com esses R$ 3,5 mil, ainda estamos distantes da média Nordeste. Mas começamos, conseguimos iniciar uma luta, para construção de uma carreira, de uma condição melhor.

Qual é a “média Nordeste”?

A média Nordeste, hoje, está variando de R$ 8 mil a R$ 12 mil, para vinte horas, de um médico-legista. Os médicos aqui, trabalhando 24 horas – eles trabalham mais do que os médicos de outros Estados – vão ganhar R$ 6,1 mil. Mas a luta valeu.

Mas ainda são paliativos. A bolsa não será, por exemplo, incorporada aos salários dos profissionais.

É verdade. Da bolsa, R$ 2,5 mil, desses R$ 6,5 mil, serão incorporados a partir de janeiro. E os outros serão incorporados paulatinamente.

Há algum prazo para se alcançar essa média Nordeste? Isso vai ser possível?

O tempo determinado seria até o final do mandato do atual governador, até 2014. Então, é uma forma de você negociar dando espaço para o governo ir se organizando para atender a essa demanda da categoria. Então, a proposta é de que seria parcelado, até 2014, para atingir a média Nordeste. E eu acredito que isso vai ser possível e a expectativa dos médicos é essa.

Houve recuo de alguém? Para se chegar a essas condições, a categoria recuou ou o governo recuou?

A gente teve de recuar em alguma coisa. A proposta inicial era o piso da Fenam [Federação Nacional dos Médicos], que hoje seria na faixa de R$ 9,8 mil. E nós fechamos o acordo em R$ 6,1 mil. Então, foi assim: dar um passo para trás, na busca de dar dois passos à frente no futuro. Mas isso faz parte da negociação, do sindicato, da categoria. Então, houve recuo de todas as partes. Do governo, também, que só queria dar R$1,7 mil e já chegou a R$ 3,1 mil. Mas houve avanços de todos os lados também. O que faltou foi a compreensão de que não se precisaria ter chegado ao impasse que chegou, até culminando com a prisão.

Esse episódio, da prisão do senhor, pesou?

Acredito que pesou no fechamento da negociação. Acredito que poderia ter sido evitado. Eu não guardo mágoa do Tribunal de Justiça. A minha mágoa toda é com o governo do Estado, porque tem não só na questão do IML mas da saúde do Estado como um todo, de ter se omitido de fazer negociação, não ter recebido a categoria. Quando eu falo, é do governador. Os secretários, não. Os secretários até que têm recebido. Mas o poder de decisão está no Palácio. Não têm saído as grandes decisões envolvendo a área de saúde por conta da falta de diálogo com o governador. Acho que ele me tem, talvez, como inimigo. Eu não sou inimigo de ninguém. Eu não faço política partidária. Eu faço política médica, pura, em defesa dos médicos e da sociedade alagoana.

As notas das entidades médicas, após a prisão, serviram de apoio?

Quando você criminaliza o processo, teoricamente, você dificulta a negociação. No entanto, a reação das entidades, a reação da sociedade e a reação da classe médica alagoana foram fundamentais. Os médicos se revoltaram de uma maneira. Não mexeu só com o presidente do Sindicato dos Médicos. Mexeu com o âmago de cada médico deste Estado. Nunca havia acontecido isso, nem aqui, nem em nenhum outro Estado do Brasil: presidente de sindicato dos médicos ser preso porque estava defendendo sua categoria. Meu temor, na verdade, era de que os médicos paralisassem tudo. Porque havia essa proposta – de os médicos deixarem o HGE, deixarem os ambulatórios [24 horas, os mini-pronto-socorros]. De paralisar tudo, de imediato. E eu disse: não façam isso, porque a disposição era que eles iam sair. O grupo já estava formado. Eles iam deixar tudo. Para irem para lá, para a delegacia. Felizmente, não aconteceu. No outro dia, teve uma paralisação de uma hora, de protesto, mas o caos não se instalou. Mas poderia ter se instalado.

Quando o senhor relembra do episódio, o que lhe vem à cabeça?

O sentimento, na verdade, do dever cumprido na defesa profissional. Eu nunca fui preso. Nem ameaça de prisão nunca houve. E, de repente, você ir preso. Ter tolhida a sua liberdade daquela forma. Você estudou, se formou, vem de uma família de médicos, vive salvando vidas e, de repente, isso. Eu estava com uma paciente internada. E dependendo de mim. Queria ver como é que ia ser. Se fosse ficar preso, teria que ser levado para o hospital, porque o procedimento que eu faço só quem faz aqui no Estado sou eu. Não teria condições de outro médico ir fazer, para me substituir. E eu me preocupo muito com meus pacientes porque eu tenho muitos pacientes graves e eu preciso estar lá. Então, foi uma situação muito difícil. A prisão foi algo muito difícil, foi uma coisa muito chata. Mas entendo que faz parte da missão que eu tenho como presidente do Sindicato dos Médicos. Eu tenho a consciência tranquila de que nada fiz e de que bandido não sou. Por isso, eu fiquei tranquilo, esperando as consequências daquela ação.

Há outro componente dessa questão que foi a situação das famílias que precisavam sepultar seus entes e que sofreram com tudo aquilo, com a paralisação. O senhor se sente responsável por aquele sofrimento?

É uma situação muito difícil também para a gente. Para nós, que somos médicos, e que somos liderança sindical, você saber que está liderando o movimento que está levando àquilo. Mas quando você decide parar para pensar, vê que quem levou a tudo aquilo, que o culpado ali foi o Estado, que era o responsável pelo serviço, que nunca foi oferecido com condições, porque nunca deu qualidade. Tudo ali era feito de improviso. Era uma situação criada de modo tal que tinha que parar. E quando você tem que parar, como você não estava criando risco de morte para ninguém, havia, sim, a questão emocional das pessoas que estavam precisando enterrar seus entes queridos. No entanto, quando a gente fala em Medicina Legal e mortes violentas, a gente tem que entender o seguinte: aquele corpo que sofreu uma morte violenta é instrumento do Estado, até como ajuda na construção das provas que vão levar a se descobrir os motivos que levaram àquela morte. Nos países desenvolvidos, esse corpo pode levar até um mês sendo estudado pelo estado. Aqui se criou a cultura de se liberar imediatamente. Essa liberação rápida e um instituto médico legal sem estrutura como o nosso têm causado prejuízo para as próprias famílias. O ideal é como se faz lá fora: você fazer uma investigação médico-legal que instrumentalizasse muito mais o processo para o Judiciário do que como é feito hoje. Um médico especialista em Medicina Legal, em Portugal, se vangloriava porque fazia oito necropsias num ano. Aqui, uma colega nossa fez mais de dez, mas no espaço de algumas horas.