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O drama dos cubanos que integram o Mais Médicos


30/03/2015
Jornal Metro Grande Vitória   |   PRISCILLA THOMPSON

Foto: Metro Grande Vitória


Estou aqui há mais ou menos um ano e seis meses. Quando fizemos o contrato em Cuba, falaram que poderíamos trazer a família. Tivemos muito trabalho até descobrir os trâmites para isso. Então, meses depois de eu chegar aqui, um “A” veio para passar alguns meses. E tudo funcionou bem até voltarmos a Cuba, em setembro, durante as minhas férias.

Quando chegamos lá, nos reuniram e disseram que “A” só poderia ficar (no Brasil) por um mês. 'Mas como por um mês? Um gasto tão grande que temos para passagem e toda a tramitação. Como por um mês?' Então, falaram que ou fazíamos isso ou nos desligávamos do programa Mais Médicos. E deram múltiplas explicações: de que uma médica, cuja filha menor de idade estava aqui, teve um sangramento muito grande e foi levada para Cuba, e a menina teria que ficar no Brasil sozinha… E outras questões, como a de que muitos de nós não cumpríamos com o horário de trabalho por termos um familiar aqui, o que não é verdade.

Algum tempo depois, “A” veio de novo, e está aqui. Já tínhamos feito toda a tramitação, porque isso é permitido pelo governo brasileiro. Mas o representante da Opas [Organização Pan Americana de Saúde] falou com o nosso gerente (no município) que “A” não poderia ficar. 'Tem que ir embora!'. E isso é em todo o Brasil. Eles reúnem o pessoal lá em Cuba e falam: 'Lembrem que é só por um mês, tá? Senão desligamos vocês do programa’'.

Todos estamos muito indignados, porque queremos trabalhar tranquilos e depois ir embora para Cuba. Não quero ficar aqui. Tenho minha família lá. Só quero que “A” fique comigo até eu voltar. Mas eles nos pressionam o tempo todo pedindo uma data de volta. 'Preciso da data, preciso da data!'. Muitos médicos nem trazem mais os parentes porque, para ficar só um mês, é muito caro. E não falam por medo.

Quando (em 2013) falaram para nós que precisavam de médicos em atenção primária no Brasil, na qual somos especialistas, muitos levantamos a mão só para ajudar o povo de vocês, que está muito necessitado. Eu vejo com meus olhos. Trabalhei nas inundações (em 2013), e foi muito triste. E as pessoas nos querem atendendo, nos dão boas-vindas, levam chocolate, presentes, chamam para almoçar na casa deles.. É um carinho enorme, e isso nos deixa muito felizes. Gostamos de saber “como você está hoje?”, “quantos netos você tem?”. Essas coisas ajudam as pessoas. E estamos acostumados a sentir esse calor humano. Atendo a mais de 30 pacientes por dia e ainda outros que chegam depois. Sou da velha escola: não sei dizer não a ninguém. Fico triste por não conseguir acompanhar o paciente até o fim do tratamento.
Quando damos o encaminhamento para uma especialidade, a demora é muito, muito grande até ele voltar. E, quando volta, muitas vezes vai se consultar com outro médico. Aí, você acaba perdendo a conexão com paciente. Estou aqui (no Brasil), entre outras coisas, para ajudar minha família, pela questão econômica. Seria bom pelo menos a felicidade de ter um familiar aqui. É muito triste, muito triste. Tive outras experiências de trabalho em outros países, e não tínhamos essa possibilidade de levar a família, mas podíamos voltar a Cuba com mais frequência. Essa facilidade que o Brasil dá, de permitir que o familiar esteja aqui conosco, é muito bom para nós. E eles (familiares) também querem visitar o Brasil.
Lá em Cuba, não temos essa possibilidade de poder viajar assim, sabe? Até ligar para Cuba para falar com os parentes é muito caro, porque não temos acesso à internet como aqui no Brasil. Mas você tem que visitar Cuba. É uma ilha muito linda. Aqui tem muita violência. Em Cuba não é assim, você anda tranquilo nas ruas. Não me arrependo de ter vindo, mesmo passando por isso agora.

Só o que quero é que “A” possa ficar aqui e que outros da minha família possam vir conhecer o Brasil também, que experimentem outro país. Essa é a única forma.. é a única forma. Estou pedindo ajuda. Médicos em São Paulo também falaram com a imprensa. E o governo de Cuba não se pronunciou ainda. Não dizem nada. Só que é por um mês e que tem que ir embora. Mas quero que “A” possa ficar aqui comigo. Só isso… Só isso. É triste.

Governos falam pouco (ou nada) sobre o assunto

O relato do médico cubano que atua no Estado pelo Mais Médicos não é único no país. Apesar disso, o governo federal e o cubano pouco falam sobre o assunto. O Ministério da Saúde diz apenas que garante aos familiares dos integrantes do Mais Médicos o visto no país pelo mesmo período que o profissional. Na última quarta-feira, um representante do Consulado de Cuba esteve no Estado para reunião com médicos cubanos, mas não quis dar entrevista.