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Municípios descumprem Protocolo de Manchester, arriscando vida de pacientes


20/11/2014
ES HOJE   |   Leone Oliveira

Desde novembro de 2009, os hospitais estaduais passaram a utilizar o Protocolo Manchester para classificar a gravidade dos pacientes que buscam atendimento de urgência e emergência – as famosas pulseiras nas cores vermelha, laranja, amarelo, verde e azul. Logo depois esse sistema foi adotado por boa parte das Unidades de Pronto Atendimento (UPA’s) e os Prontos Atendimentos (PA’s) da Grande Vitória. Entretanto, algumas delas têm descumprido o modelo de atendimento a doentes.

De acordo com o protocolo, os casos de emergência são classificados com a cor vermelha e o atendimento é imediato, sem espera. Já as situações de muito urgentes recebem coloração laranja e o tempo de espera é de até 10 minutos, enquanto que as urgências são representadas pela cor amarela e têm até uma hora para serem atendidas. Os casos de pouco urgentes e não urgentes (cores verde e azul, respectivamente) também devem ser atendidos pelo médico no período que varia entre duas e quatro horas.

No último final de semana, Carlos Henrique Oliveira, de 14 anos, foi a UPA de Serra Sede sentido dores no peito, porém, de acordo com a família, ele foi encaminhado pela enfermeira da unidade à assistente social que liberou o adolescente a ir para casa sem antes passar pela avaliação do médico, alegando se tratar de um caso sem gravidade. Horas mais tarde, as dores ficaram mais fortes e ele faleceu a caminho da UPA.


Pacientes do PA da Glória, em Vila Velha, também têm sido orientados a irem para casa ao buscarem atendimento na unidade. No início da tarde desta quarta-feira (19), a fila de pessoas na recepção para fazer a ficha era grande e a sala de espera estava cheio. Porém aqueles que eram classificados como caso de menor urgência (verde ou azul) tiveram que voltar para casa, porque os médicos só estavam atendendo às emergências e urgências (vermelho, laranja e amarelo).

O vendedor, Artur Sal Braga, 24 anos, foi com a esposa buscar atendimento para a filha que há quatro dias tem tido febre a cada seis horas. Os pais preencheram a ficha na recepção e a menina foi chamada para a sala de classificação, mas seu quadro não foi considerado de urgência. Ela teve que ir embora sem passar pela avaliação médica e sem saber para onde ir. “Pedimos informação de onde podemos levar ela, mas disseram que não sabiam”, contou Artur.

Na unidade, a informação é que o atendimento, exclusivamente a casos de urgência e emergência, tem acontecido por conta da greve dos médicos devido à falta de pagamento. Em março deste ano, a Prefeitura de Vila Velha firmou contrato com uma Organização Social (OS) para a gestão do pronto atendimento, porém o Executivo não tem repassado os recursos à organização, sob a alegação de que a contratada não apresentou a prestação de contas.

A Prefeitura de Vila Velha informou que o Instituto Americano de Pesquisa, Medicina e Saúde Pública (Iapemesp), OS responsável pela prestação de serviço no Pronto Atendimento da Glória, apresentou, no final da tarde desta quarta (19), as notas que estavam pendentes para a prestação de contas com a PMVV, dessa forma o pagamento será efetuado e o serviço está normalizado.

Municípios defendem classificação

Na Grande Vitória, apenas o município de Cariacica não possui o sistema de classificação de risco para prontos atendimentos. Nos locais onde foi aderido, esse modelo é defendido pelos profissionais que atuam nas unidades. “Esse sistema é universal, foi replicado em diversos lugares. Ele funciona no mundo todo”, destaca o diretor do PA de Cobilândia, em Vila Velha, José Eduardo Loureiro.

O Protocolo de Manchester foi criado na cidade britânica que nomeia o documento, sendo utilizado pela primeira vez no ano de 1997. No Brasil, começou a ser utilizado no Estado de Minas Gerais.

De acordo com o enfermeiro da rede municipal de Saúde de Vitória, Clay Assef, a Secretária de Saúde mineira fez um estudo que esse modelo foi o que mais se adequou à realidade brasileira e por isso foi adotado por diversos municípios. “Foi pensado para classificar risco na porta de entrada dos serviços de urgência e emergência”, ressalta.

Assef explica que a direção dos PAs da capital (São Pedro e Praia do Suá) fazem o acompanhamento do atendimento feito nessas unidades. “Periodicamente, a coordenação de emergência e urgência faz um acompanhamento junto aos diretores”, afirma.

O município da Serra informou que apenas segue as determinações do Ministério da Saúde (MS) e previstas no protocolo.

Cariacica pretende adotar classificação em 2015

Único município da região da Grande Vitória a não seguir o Protocolo de Machester, Cariacica pretende adotar esse modelo de classificação de risco a partir do próximo ano. Segundo o secretário municipal de Saúde, Marcelo Machado, hoje, o PA de Itacibá é a referência para casos de urgência e emergência no município, porém a unidade sofre com limitações de espaço físico, por exemplo, que dificultam a implantação desse modelo.

A previsão é que essa unidade passe a funcionar até o fim do primeiro semestre de 2015, no PA do Trevo e lá será possível implementar o protocolo. “O PA do Trevo vai funcionar como UPA 24h. Dentro da normativa, ela exige essa classificação de risco”, explica.


Treinamento

A classificação de risco só pode ser feita por profissionais com curso superior em Medicina ou Enfermagem. O médico ou enfermeiro que vai operar essa ferramenta precisa antes passar por treinamentos e cursos de capacitação, onde aprendem o fluxograma e como classificar as queixas dos pacientes dentro do protocolo.

Geraldo Silvério de Oliveira é enfermeiro e um dos responsáveis pelo treinamento no Espírito Santo. Ele conta que os profissionais recebem o material de estudo com, pelo menos, uma semana de antecedência. A capacitação é feita em curso intensivo. Durante um dia, os profissionais têm aulas teóricas e práticas e, no fim, fazem uma prova, na qual precisam obter pontuação mínima de 60%. O documento está sujeito a alterações, por isso sempre que é alterado, os profissionais responsáveis pela classificação são chamados para novas capacitações.

A assistente social, segundo ele, não faz classificação, ela faz escuta social e ver, por exemplo, se o paciente tem condições de ir para outra unidade mais longe do local onde reside.

Classificação não é triagem, diz especialista

O responsável pelo treinamento dos profissionais que vão operar o sistema de classificação no Estado salienta que o Protocolo de Manchester não foi feito para mandar ninguém embora do pronto atendimento. “Não é triagem. O único profissional que tem competência para fazer triagem é o médico”, frisa.

Na mesma linha, segue Assef. “A gente, no Brasil, não usa o termo triagem. Ele ganhou conotação de exclusão. A classificação visa classificar quanto tempo a pessoa pode aguardar pelo atendimento com segurança”, afirma.

Na classificação de risco o enfermeiro não faz diagnóstico, mas classifica o paciente de acordo com critérios, por exemplo, intensidade da dor, frequência cardíaca, saturação de odores. Segundo Oliveira, a classificação deve ser feita em tempo inferior a dez minutos, contados a partir da chegada à unidade. Acima disso, coloca em risco o paciente e a própria instituição. No entanto, ele faz um alerta que há casos em que a pessoa vai para a sala de classificação se queixando de um problema e, dentro do consultório, alega outro completamente diferente.

O Conselho Regional de Enfermagem do Espírito Santo (Coren-ES) reafirmou que somente o médico pode fazer a triagem (diagnóstico) e mandar o paciente para casa ou para outra unidade. A Enfermagem não pode assumir esse procedimento.

Já o encaminhamento é um arranjo administrativo. O responsável pelo treinamento dos profissionais diz que a unidade de destino do paciente precisa garantir que ele será atendido dentro do tempo estabelecido pela classificação.

Carlos Henrique dos Santos Pereira, de 14 anosSerra abre sindicância para apurar morte de adolescente
O município da Serra abriu sindicância para apurar a morte do adolescente Carlos Henrique Oliveira, 14 anos, ocorrida no último fim de semana. O prazo para a conclusão do processo é de 15 dias.

O Conselho de Enfermagem do Espírito Santo (Coren-ES) também vai apurar o caso. “O Conselho vai avaliar. Nós já solicitamos junto à Secretaria Municipal de Saúde do prontuário do paciente para que nós possamos analisar o que de fato aconteceu com muita cautela e muito critério. Se for observado algum ato, algum indício de imperícia, negligência, por parte da enfermagem, nós vamos tomar as medidas cabíveis dentro da legislação”, garantiu a conselheira e diretora do Coren-ES, em entrevista a uma rádio na manhã desta quarta (19).