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Saúde em estado crítico


19/01/2015
Folha Dirigida


Foto: Folha Dirigida

Mais comprometimento dos governos municipal, estadual e federal com aárea de Saúde, através de, entre outros planos, uma política derecursos humanos forte, é o que desejam os presidentes do Sindicatodos Médicos do Rio de Janeiro (Sindmerj), Jorge Darze, e da FederaçãoNacional dos Médicos (Fenam), Geraldo Ferreira Filho.

Em entrevista à FOLHA DIRIGIDA, os dois traçaram um panorama geral dasituação calamitosa que vive o Rio de Janeiro, no âmbito das trêsesferas, e o restante do Brasil, chegando à conclusão que, para ocidadão ter um serviço público de qualidade há necessidade danomeação de gestores que aliem conhecimento técnico e político paraas pastas de Saúde; maior percentual do orçamento geral do governofederal para a área; e contratação de profissionais, entre os quaismédicos, técnicos de enfermagem, técnicos de laboratório, psicólogose assistentes sociais, por intermédio de concursos públicos.

"Nós sabemos que em um país como o Brasil, aproximadamente 70% dapopulação dos grandes centros e quase 100% dos moradores das cidadesde pequeno porte dependem do serviço público", destacou GeraldoFerreira Filho."Anualmente, são gastos cerca de R$100 bilhões com a Saúde, mas aquantia é insuficiente. O conflito na área vai desde a falta derecursos financeiros à gestão, na maioria das vezes, política, cujoretrato pode ser visto, hoje, no Rio de Janeiro. O que constatamos éque alguns hospitais têm potencial para realizar um número maior deprocedimentos, mas faltam recursos humanos, verba para pagar pelopessoal e uma gestão eficaz", assinalou Ferreira Filho.


FOLHA DIRIGIDA - O problema da saúde pública é verba insuficiente oumá gestão?

Geraldo Ferreira Filho - Anualmente, são gastos cerca de R$100bilhões com a Saúde, mas a quantia é insuficiente. Na verdade, oconflito vai desde a falta de recursos financeiros, reconhecida peloministro da Saúde, Arthur Chioro, à gestão, na maioria das vezes,política, cujo retrato pode ser visto, hoje, no Rio de Janeiro. Nãoacredito que a administração deve ser absolutamente técnica, sem oviés político, contudo, quando o gestor não conhece a área na qualestá trabalhando, a chance de um bom trabalho ser feito é menor. Oque constatamos é que alguns hospitais têm potencial para realizar umnúmero maior de procedimentos, mas faltam recursos humanos, verbapara pagar pessoal e uma gestão eficaz.

O projeto de lei de iniciativa popular que destina 10% da receitacorrente bruta do Brasil para a Saúde, na Câmara dos Deputados desde2013, poderá vingar? A lei eliminaria as dificuldades atuais?

Jorge Darze - O projeto de lei sofreu uma alteração tão grave que oresultado final não traz nenhum acréscimo ao orçamento atual daSaúde. Caso o texto original fosse mantido, teríamos, pelo menos,mais R$60 bilhões no orçamento do Ministério da Saúde, porém ogoverno, dentro do Congresso Nacional, desfigurou o projeto, aotransformar a receita bruta em líquida. A quantia original nãoeliminaria todos os problemas atuais, mas seria uma importanteinjeção de recursos. O governo Lula e o governo Dilma têm mostradoque a Saúde não é uma prioridade e nem será, condenando-a apermanecer nesse quadro calamitoso. Na divisão do orçamento geral, osbanqueiros ficam com uma parcela significativa, enquanto à Educação eà Saúde restam percentuais ridículos, que não chegam a 5%.

A União, o estado e o município do Rio de Janeiro acertaramregulação única para os hospitais, mas nada foi dito ainda sobre acarência crônica de pessoal, de recursos financeiros e equipamentos.Acreditam que essa é a solução?

Geraldo Ferreira Filho - A integração entre as três esferas éfundamental. Na maioria dos municípios, os hospitais deurgência e emergência são estaduais, pois as prefeituras nãoconseguem bancar os custos dos mesmos. Após o paciente ser atendidoem um deles, porém, é preciso encaminhá-lo a um hospital deretaguarda, que estaria nas mãos do município. As unidades federais,formadoras de especialistas, ficam responsáveis pelos procedimentosmais complexos. Para termos um sistema único, ou seja, nãosegmentado, de Saúde, em que a estrutura funcione em seu grau deeficiência máxima, é decisiva a integração.
Jorge Darze - No Rio de Janeiro, tentava-se explicar que a causa dacrise da área de Saúde era o quadro político de conflito entre asesferas. Todavia, a unidade política que temos há quase uma década,com o PMDB à frente do governo do estado e da prefeitura há oito eseis anos, respectivamente, e o PT no governo federal há 12, aindanão trouxe a esperada solução para a crise. Se a tal integraçãoanunciada recentemente, a qual eles preveem um período de seis mesespara ser consumada, não estiver associada a uma política de recursoshumanos, passaremos seis meses apostando em um projeto que não darácerto.

Pouca coisa melhorará se não forem abertos concursos para as trêsesferas governamentais? Além de médicos, a carência é generalizada emtodas as funções da área de saúde, tais como enfermeiros, psicólogos,assistentes sociais e técnicos de enfermagem?

Geraldo Ferreira Filho - Faltam profissionais da saúde nas trêsesferas, mas não queremos que o governo repita o erro do MaisMédicos, inventando bolsa ou pós-graduação. Desde o primeiro momento,em reunião com o ministro da Saúde, colocamos nossa posiçãoclaramente: se um determinado município não tem condição decontratar, então que o governo federal contrate o profissional, viaconcurso público, garantindo seus direitos trabalhistas, edisponibilize-o, através de convênios, à prefeitura. Faltam médicosde praticamente todas as especialidades, sendo que algumas, comoEndocrinologia e Neurologia, estão em estado crítico. E o médico nãotrabalha só, o que significa que a carência de outros profissionais,como enfermeiros, técnicos de enfermagem, técnicos de laboratório,psicólogos, assistentes sociais e outros, também é alta.Para cada médico alocado em um posto de trabalho, abrem-se, nomínimo, cinco vagas para outras funções.

No Rio de Janeiro, a situação atual de austeridade prejudicará aindamais a Saúde pública, mesmo tendo o governador Luiz Fernando Pezãodeclarado que ela é prioritária, assim como a Segurança e a Educação?

Geraldo Ferreira Filho - Eu acredito que sim. Raros são os estados emque as dívidas na área de Saúde não são gigantescas. O caos estáinstalado em Brasília, por exemplo, e o Rio Grande do Norte deveR$100 milhões. Para os governantes, então, não custa nada dizer quenão haverá cortes na área, mas fato é que precisarão pagar asdívidas. O que sobrar, após a quitação, será suficiente para fazer osistema funcionar adequadamente? Muito provavelmente, não. Se o anopromete ser dificuldade financeira ou de crise, é claro que atingiráa Saúde, mesmo que digam que ela é prioritária.


Nas três esferas, a rede federal é a que possui maior defasagem depessoal. Dos hospitais federais do Rio, em qual a situação é maiscalamitosa em termos de pessoal?

Geraldo Ferreira Filho - Lastimavelmente, o que o governo federalquer é extinguir a sua rede. Na área federal, hoje, há poucoshospitais, pelo menos no Ministério da Saúde. Em relação ao
Ministério da Educação, que é outro empregador, criaram a EmpresaBrasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), para contrato viaConsolidação das Leis do Trabalho (CLT). No Rio de Janeiro, não épossível apontar somente uma unidade, pois todos os hospitaisfederais estão sofrendo com a falta de pessoal.

Jorge Darze - Todos estão deficitários. O Ministério da Saúde não fazconcurso há muito tempo, e os que estão trabalhando em uma unidadefederal estão próximos de se aposentar. São pessoas que entraram hámuitos anos, através de concursos públicos, e que adiam aaposentadoria por saberem que perderão dinheiro quando o fizerem. Oestado, assim como o município, também passa por uma situaçãogravíssima, devido ao congelamento do salário, que já dura 15 anos.Hoje, o médico do estado ganha em torno de R$2 mil, o que é ridículo
para um profissional que exerce a função com competência.


Na Saúde pública convivem estatutários, celetistas, temporários eorganizações sociais, com cargas e salários bem diversos. Isso é bomou mau para a sociedade?

Jorge Darze - Na minha opinião, não é bom. Considero um absurdo terem uma mesma rede pessoas que realizam tarefas iguais ganhandosalários diferentes. Não acho correto que um estatutário, que sesubmeteu à aferição de sua competência em um concurso público, recebaum salário três ou quatro vezes inferior ao de alguém que passou porum processo seletivo ou que, em alguns casos, nem mesmo provaprecisou fazer. A atual política de recursos humanos não favorece osurgimento de grandes médicos, como acontecia antigamente. Aterceirização está acabando com o patrimônio científico que foiacumulado ao longo de décadas e está criando um monstro, pois a mão de obra é rotativa e não há mais transmissão de aprendizado.

Geraldo Ferreira Filho - A maioria dos estados argumenta que utilizaoutras formas de contrato por estar no limite prudencial. O governofederal, porém, gasta muito pouco com o funcionalismo. O que ele temde fazer para suprir essa necessidade de profissionais são concursospúblicos.

Além da questão salarial, um dos problemas da categoria é que costumaser vista como responsável pelas falhas, recaindo sobre ela a ira dospacientes. Poucos culpam o governo. Seriam esses alguns dos motivosdo desinteresse dos médicos pelo serviço público, que acarretam nafalta de tantos profissionais?

Geraldo Ferreira Filho - O salário é importante, mas o principalmotivo do desinteresse são as condições de trabalho, que geramfrustração no profissional, e não a falta de amor pelo serviço
público. O grande desejo da maioria dos médicos brasileiros é ter umacarreira estável e pública, semelhante às do Judiciário. Nós, quefazemos parte de entidades representativas, lutamos por isso.


Implantada em 2013, a Empresa Pública de Saúde (RioSaúde), daprefeitura da capital, ainda não fez concurso para efetivosceletistas, o que está prometido para este semestre. A empresa estáatrasada? Já disse a que veio?

Jorge Darze - Ela é somente mais um experimento da prefeitura em seuprojeto de privatização da saúde, agora que as organizações sociais(OS) estão se esgotando. A criação da RioSaúde demonstra que ogoverno municipal não quer trabalhar com servidores públicosestatutários. O que move a empresa é o lucro.

Qual o balanço da atuação das organizações sociais na Saúde?Jorge Darze - Eu não preciso dizer que o balanço é negativo, pois aprópria população já o diz. Se perguntarmos ao povo qual a suaprincipal preocupação, dirá que é a Saúde pública. As OSs nãotrouxeram nenhuma grande mudança na qualidade da assistência. No Riode Janeiro, continuamos a viver uma situação catastrófica no que dizrespeito à saúde.

A União não libera concurso para os hospitais universitários (HUs) doRio, que, por sua vez, não querem se alinhar à Empresa Brasileira deServiços Hospitalares (Ebserh), apesar de sofrerem forte pressão dogoverno. Nessa briga, a população é que sai perdendo, pois não tem
profissionais de saúde para atendê-los? A Ebserh tem conseguidoamenizar os problemas da falta de pessoal nos HUs dos demais estados?

Geraldo Ferreira Filho - Temos acompanhado o processo de contrataçãoda Ebserh no Brasil como um todo. A empresa fez suprir uma parte dopessoal, o que obviamente amenizou a crise, mas a eficiênciaadministrativa que apregoavam não pôde ser vista, já que no fim doano passado, para citar um exemplo, nos hospitais universitários doRio Grande do Norte, continuaram a ocorrer os mesmos problemas dasgestões anteriores. O formato celetista de contrato da Ebserh, apesarde garantir direitos, não é o ideal, pois não oferece estabilidade ao
profissional da saúde, o que dificulta a reivindicação de melhorescondições de trabalho.