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Faltam médicos no Brasil?


11/06/2015
Revista APM


Foto: Simes

De acordo com dados de 2015, divulgados no site Escolas Médicas, o Brasil já possui 405.776 médicos, número superior ao de 388 mil médicos registrados nos Conselhos Regionais de Medicina, publicado no último censo (Demografia Médica), em 2013. Ainda segundo o número atual, o total garantiria 2 médicos para cada grupod e mil habitantes, média, segundo alguns experts, acima do que a Organização Nacional de Saúde preconiza. Mas então, porque existem tantas afirmações de que faltam médicos no país?

Especialistas entrevistados pela Revista da APM, que atuam na área há anos, são categóricos: o Brasil tem número suficiente de médicos, o que falta é tratar a área como prioridade de Estado. Ou seja, para os entrevistados, a base dos problemas da Saúde está na gestão, na carência de políticas eficientes, como a reestruturação do Sistema Único de Saúde, e a implantação de carreiras de Estado e de planos de carreira no serviço público, fatores que, se fizessem parte da realidade brasileira, amenizariam ou até solucionariam o problema da distribuição.

''Inevitavelmente, nossa grande preocupação se debruça nas decisões políticas do país, porque o Governo está na contramão do que é interessante à sociedade. Embora já muito mencionado, o Programa Mais Médicos é um exempli, já que, entre outras propostas, prevê a abertura de escolas a toque de caixa, sem docentes, hospitais, unidades ambulatórias, acompanhamento didático e projeto pedagógico, enfim, faculdades inadequadas ao ensino da Medicina'', enfatiza Florisval Meinão, presidente da Associação Paulista de Medicina.

De acordo com o edital do Programa, no médio prazo, o país terá 600 mil médicos registrados, que estariam espalhados de forma igualitária de Norte a Sul e de Leste a Oeste. Porém, consenso entre os entrevistados, essa expectativa dificilmente será atingida, porque não mexerá e muito menos sanará falhas de estrutura. ''Nada irá mudar. Os profissionais continuarão nos grandes centros. Essas novas faculdades que estão abrindo são, basicamente, para alunos de classe média, média alta ou classe alta. Teoricamente, quando formados, esses jovens não escolherão as periferias.'', pontua Antônio Pereira, diretor de Comunicação do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).

Adotar na Medicina o que ocorre há décadas no Direito seria, na visão da classe, a solução mais eficiente. ''O Governo, há muito tempo, oferece condições de trabalho bem estruturadas para advogados que querem seguir carreira pública. Eles prestam concurso, iniciam a carreira em cidades pequenas e distantes e, ao longo dos anos, vão se aproximando dos centros urbanos. Alguns optam até por ficar nas cidades, mas isso porque contam com estrutura para desenvolvimento profissional, para as necessidades de suas famílias e bons salários. Essa política de gestão caberia tranquilamente à Medicina'', enfatiza o presidente da APM.

NÚMEROS COMPROVAM

Ao comparar o crescimento populacional ao aumento do número de médicos, contata-se um avanço mais expressivo de um dos laudos. Saímos de 58.994 médicos para 364.757 em 2010. No mesmo período, segundo o Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), a população passou de 94.508.583 para 190.755.799 habitantes. Enquanto o número de habitantes dobrou, o de médicos ficou seis vezes maior no mesmo período.

Porém, esse contingente de profissionais está concentrado em grandes centros urbanos e regiões metropolitanas, locais em que as condições de trabalho são melhores. O Sudeste do País se destaca, com 2,67 médicos para cada mil habitantes. Na sequência vem o Sul, com 2,09 médicos/mil habitantes, e o Centro-Oeste com 2,05. Norte e Nordeste registram números bem inferiores: 1,01 e 1,2, respectivamente. Mas quando a análise é feita por estado da Federação, as disparidades ficam mais evidentes. Distrito Federal lidera, com 4,09 médicos a cada mil habitantes, seguido por Rio de Janeiro, com 3,62, e São Paulo, com 2,64.

De acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), 215.640 médicos atuam no Sistema Único de Saúde, nos âmbitos municipal, estadual e federal. Isso equivale a cerca de metade do total de médicos registrados no Conselho Federal de Medicina (CFM) – considerando subnotificações, falhas na alimentação das bases de dados, falta de indicadores da presença de médicos no sistema público, como os terceirizados ou via Organizações Sociais (OSs). O SUS é universal e deveria garantir a atenção a todos os brasileiros, mas a situação das regiões Norte e Nordeste é complicada. Estatísticas sobre o número de médicos do SUS, do CNES, dão conta de que a distribuição pelo país, por mil habitantes, é a seguinte: 1,35 médico no Sudeste, 1,21 médico no Sul, 1,13 no Centro-Oeste, 0,83 no Nordeste e o 0,66 no Norte.

''Até se formar e se especializar, o tempo e o dinheiro que o médico investe são grandes, além da dedicação para os estudos. Como profissional, quer atuar em locais que possibilitarão seu desenvolvimento e aperfeiçoamento, então, pensa duas vezes antes de ir para cidades em que não conseguirá sequer atender adequadamente. Acaba desistindo'', opina Antônio Carlos Endrigo, diretor de Tecnologia da Informação da APM.

CONSEQUÊNCIAS

A combinação de fatores citados até agora resulta em efeitos negativos tanto para o profissional como para a população. Esta, quando moradora de locais distantes e vulneráveis, enfrenta a desassistência, pois depara-se, constantemente, com filas imensas e muitas outras dificuldades. As histórias que exemplificam essa realidade são inúmeras.

''Depois da especialização em Cirurgia, fui trabalhar em uma cidade do interior com 20 mil habitantes. Era obrigado a fazer a função do anestesista, porque não tinha nenhum no hospital. Precisei de treinamento para isso. Agora imagina: o profissional aplica a anestesia, acomoda o paciente e opera. O que há de razoável nessa situação? Isso ocorre em muitos lugares e é extremamente frustrante'', conta Endrigo.

As jornadas de trabalho exaustivas também entram na conta negativa do sistema público de saúde. É relevante a quantidade de médicos que atuam em ambos os setores (público e privado). No SUS, geralmente o médico ocupa mais de um posto de trabalho. Estudos Indicam, segundo Renato Azevedo Júnior, ex-presidente do Cremesp afirma que chegam, com frequência, depoimentos de profissionais sobre os riscos em atender em determinados locais, tanto pelos assaltos que sofrem nos bairros, a caminho do trabalho, como as agressões a que estão submetidos dentro dos hospitais.

''Há uma procura imensa nas instituições públicas e a demora irrita a população, que desconta no médico. Sabemos do caso de um pediatra que foi obrigado a atender uma criança sobre a mira de uma arma. O excesso de demanda é a prova cabal de que precisamos de muito mais estrutura e profissionais de saúde nas periferias. Se a espera em uma região é de quatro, cinco horas, também é porque faltam hospitais'', finaliza Pereira.