Estratégias de guerra em hospitais
21/07/2017 - 16:00
Fonte e Foto: Jornal A Tribuna
Quando dois traficantes do Forte São João foram armados ao Hospital São Lucas, em Vitória, procurar pelo médico socorrista Ronaldo Sfalsini, 56, ele, por sorte, estava de folga e se livrou das ameaças e reclamações do socorro prestado a um cúmplice dos criminosos.
O destino, no entanto, não o poupou dessas situações nos outros 27 anos em emergências. Ele e tantos outros colegas de profissão.
"Vivemos uma medicina de guerra, considerando a gravidade dos pacientes que chegam ao mesmo tempo e a tensão a qual estamos expostos. Estamos sempre na espera pelo grave, com tantos acidentes e tiroteios. O nível de adrenalina demanda decisões complexas em pouco tempo'', conta Sfalsini.
Segundo ele, os médicos precisam estar sempre preparados para um cenário de guerra: muitos baleados, esfaqueados e acidentes chegando simultaneamente.
Um dos casos relatados por Sfalsini ocorreu quando um dos comandantes do tráfico do Morro de São Benedito, na capital, após ser baleado num confronto.
''Ficávamos com medo de gangue rival invadir o hospital. Nesses anos recebemos telefonemas de gangues avisando que iam invadir sala de cirurgia e 'terminar o serviço'. Os guardas ficam de sobreaviso e a equipe em alerta'', revela.
Segundo Sfalsini, não são raras as noites com ''quatro baleados ao mesmo tempo, geralmente no tórax ou na cabeça, demandando noites inteiras em operações''.
''Já passei por situações em que o traficante fica na porta do hospital aguardando o cúmplice ser operado. Mas quando entramos em operação, focamos muito'', disse.
Presidente do Sindicato dos Médicos do Espírito Santo, Otto Fernando Baptista faz coro: ''Guardadas as proporções, o que acontece nas emergências do Rio de Janeiro também acontece na região Metropolitana de Vitória. Os hospitais São Lucas, Dr. Jayme Santos Neves e Antonio Bezerra de Faria vivem essa realidade''.
''Aqui, ferimentos causados por tiroteios e acidentes de trânsito são muito dilacerados, atingindo mais vísceras, necessitando de táticas de guerra para dar conta de grande fluxo. Pacientes chegam com lesões quase que letais, com perda da parte de membros, inclusive com casos de tiros de fuzil, que atravessa de lado a lado o tórax''.
A reportagem solicitou à Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) dados sobre atendimento de vítimas de acidentes e de baleados na Grande Vitória, mas a assessoria não disponibilizou fonte para comentar o assunto.
Situação alarmante
O médico cirurgião de traumas Mozart Abelha é tácito: ''Cuidamos de vítimas de todo tipo de violência urbana. Casos envolvendo acidentes com carros e motocicletas chegam a todo momento. À noite são muitos tiroteios. À noite são muitos tiroteios. Todo dia tem! É uma situação alarmante''.
Segundo Mozart, os médicos dos hospitais São Lucas e Jayme Santos Neves ''estão preparados para guerra'', diante do número de baleados, esfaqueados e acidentes que chegam ao mesmo tempo. ''Colegas do plantão noturno cuidam de 3 baleados a cada 12 horas'', disse.