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Médicos em depressão no ES
17/02/2017 - 19:37

Fonte: ES HOJE

A paralisação dos policiais militares, que está em sua terceira semana, trouxe – e continua trazendo – consequências trágicas para o Espírito Santo, culminando em centenas de assassinatos e milhares de outros delitos como assaltos, roubos, furtos e saques. Mas, o que foi chamado de "crise na segurança pública" pode se estender para outras áreas. O ajuste fiscal realizado pelo governo capixaba tem causado forte arrocho no serviço público: os servidores não recebem a correção inflacionária há três anos. Em virtude da quantidade de problemas que o profissional médico servidor tem que vencer para tentar realizar seu trabalho de forma digna, aliado às questões salariais, representantes da categoria não escondem o desejo de, assim como os policiais, pararem todas as atividades. Mas também encontram restrições no Código de Ética Médica, que não permite paralisação dos setores de urgência e emergência. Entretanto, a situação para muitos está ficando insustentável a ponto de apresentarem problemas psicológicos, como depressão, em consequência do trabalho. "Eu estou em tratamento psicológico. Tenho muitas dificuldades de dar o atendimento adequado ao paciente. Isso frustra o médico, pois temos o conhecimento e não podemos oferecer o tratamento adequado ao paciente. Vemos morrer pacientes que teriam chances de se recuperar e viver. Existe falta de equipamentos, de medicação, de estrutura adequada, é um atraso muito grande. Na minha área pediátrica é muito atrasado: os dois hospitais – Infantil de Vila Velha e o de Vitória – estão sendo sucateados", disse uma médica servidora que preferiu não ter o nome revelado. "São muitos casos de problemas psicológicos em nossos colegas. Vemos como estas frustrações fazem mal ao ser humano e ao profissional médico. Somos seres humanos como qualquer um, suscetíveis à fadiga, ao estresse, às doenças e às mazelas que afligem nosso ambiente de vida e trabalho. E acredito que a saúde pública nunca será decente neste país, enquanto todos os servidores não estiverem saudáveis", comentou o Octávio Friço, membro da Comissão Estadual dos Médicos Estatutários do Espírito Santo. SaláriOs Assim como os policiais militares alegaram, os médicos servidores estaduais reclamam que o Governo do Estado não abre diálogo quanto às reivindicações da categoria. A principal delas é quanto ao salário. O médico Alexandre Rodrigues explicou que a baixa remuneração tem sido um fator para o desligamento dos médicos do setor público. A consequência disso é a sobrecarga de trabalho dos médicos remanescentes e a redução da oferta de serviços, como consultas, exames e cirurgias para a população. "Desde abril de 2014 não ocorreu qualquer correção salarial, nem mesmo para ajuste pelos valores inflacionários. Deste modo, um médico com vínculo de 20 horas semanais (a maioria dos vínculos possui esta carga horária), recebe desde abril de 2014, R$ 4.618,90 (salário bruto), o que equivalia na ocasião a 6,38 salários mínimos e hoje equivale a 4,9. Se corrigido pela a inflação oficial (IGP-M – cerca de 20,5%) até agora, este valor deveria ser de R$ 5.568,74. Se corrigido de acordo com o salário mínimo seria de R$5978,06", explicou o médico. Friço afirmou ainda que os médicos estatutários chegam a receber um salário três vezes menor do que o pago a médicos contratados pelo Governo através de cooperativas médicas e de organizações sociais, mesmo exercendo as mesmas funções. De acordo com ele, existe um estudo que demonstra que o salário atual do médico servidor estadual representa 25% do que era pago em meados da década de 1990. "Para corrigir isto, sugerimos o Piso Fenam, um valor que foi calculado pela Fundação Getúlio Vargas, considerado o menor salário possível para o exercício digno da medicina, para fins de negociação salarial. Hoje ganhamos apenas 33% do Piso Fenam. O médico estatutário é tratado com preconceito e desrespeito".

Alto risco de infecção hospitalar

de acordo com uma pediatra da rede pública estadual que não quis ser identificada, no hospital em que trabalha o risco de infecção hospitalar é alto para os pacientes internados, tamanha a condição de insalubridade do local. "Tem ratos e baratas na enfermaria. A infecção hospitalar é muito frequente, atinge um número muito alto de crianças. Se permanecer uma semana internada já é um risco muito elevado de infecção hospitalar. É precária a situação de insalubridade. É descaso, desinteresse, desorganização, falta de limpeza.". Octávio Friço completa: "Tudo isso faz parte do dia a dia do médico servidor estadual, e também vem se agravando nos últimos tempos. Trabalhamos sobre constante pressão e infelizmente a população desassistida encontra como escape a figura do médico. Soma- se a isso local insalubre, sem ventilação, sem ar-condicionado, com banheiros quebrados, sem sequer água potável". Ele afirmou que existe sobrecarga, déficit estrutural e logístico, e demanda muito grande de pacientes. Além disso, muitos médicos subsidiam seus próprios equipamentos e materiais de trabalho. "Claro que tudo isso pode levar o médico a um estado de desestímulo, exaustão, crises de ansiedade, depressão e dificuldade de desempenho de suas funções. Por tudo isso, percebe-se um número crescente de colegas antecipando a aposentadoria, pedindo licença sem vencimentos e exoneração do cargo público. A justificativa é já não ter forças para suportar tanta dificuldade e desvalorização", analisou. Para a médica, o desrespeito e o preconceito em desfavor da categoria é tamanho que para os novos hospitais, como o Dr.Jayme Santos Neves e o Central, são chamados os médicos terceirizados, contratados pelo Governo sem concurso. "O médico servidor continua sendo empurrado para as estruturas sucateadas e insalubres que ainda persistem, e médicos terceirizados com provimentos diferenciados são colocados nestes novos postos". A Secretaria de Estado de Saúde foi procurada pela reportagem, mas não respondeu aos questionamentos.

Operação só com mandado judicial

o que era para ser uma ferramenta de organização das consultas é, na realidade, um dos grandes problemas da saúde pública capixaba. o chamado Sisreg (Sistema Nacional de regulação), que gerencia os atendimentos na saúde tem contribuído para a superlotação e até para que pessoas tenham que recorrer a mandados judiciais para conseguirem atendimentos e operações, de acordo com as fontes entrevistadas. "o Sisreg se tornou um dos grandes gargalos do SUS. Um dos grandes problemas é a falta de um mecanismo que proporcione marcação de retorno do paciente para avaliação de exames complementares e para o devido acompanhamento de sua patologia, e isso acaba por redirecionar esse paciente para o final da fila de espera de atendimento. Isso leva a uma baixa resolutividade do sistema, e o tempo de espera agrava as condições de saúde do paciente ", analisou Friço. A médica que não quis se identificar disse que grande parte das operações que tem feito é de pacientes com mandados judiciais. E muitas vezes, a pessoa que está sendo operada não é a que está com o maior risco de vida. "o que mais temos feito é atender pacientes de mandatos judiciais. São pacientes que cansaram de esperar na fila, se desesperaram e procuraram a justiça. já vi pessoas morrerem esperando a realização da cirurgia", finalizou revoltada.