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Curso de medicina vira guerra entre universidades privadas e filantrópicas
27/09/2016 - 18:06

Foto: Shutterstock

Como relatou o Correio Braziliense, o Ministério da Saúde renovou por mais três anos o Programa Mais Médicos na manhã desta terça-feira (20/9). Em três anos de funcionamento, o país tem mais de 18240 novos médicos em 4058 municípios. Com a prorrogação, a meta é aumentar a participação dos brasileiros com a oferta de 4 mil vagas, que atualmente estão preenchidas por acordo internacional.
O anúncio veio no momento em que instituições filantrópicas de ensino superior acusam o Ministério da Educação de beneficiar faculdades e universidades privadas no edital em que cria cursos de medicina para o programa Mais Médicos em 39 municípios.

Em dezembro de 2014, o Ministério da Educação lançou o edital que prevê a criação de 2.400 vagas. O primeiro resultado baseado na qualidade da mantenedora foi divulgado em abril de 2015. A Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM), no Espírito Santo, mantida pelo Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória, ficou em primeiro lugar na disputa com a Faculdade Multivix pelo curso de medicina da cidade de Cachoeira do Itapemirim (ES).


A segunda fase da análise avaliou a oferta de Programa de Residência Médica, reconhecido pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) e a oferta de Programa de Mestrado e Doutorado na área de Saúde. O resultado classificatório final foi divulgado em julho de 2015. A Multivix ultrapassou a Emescam, ocupando a primeira colocação. As instituições filantrópicas alegam que a concorrente Multivix não teria curso de residência médica e programas de mestrado de doutorado, no entanto, teria sido pontuada mesmo assim.

Por nota, a Faculdade Multivix informa que aguarda a decisão do MEC sobre a liberação das vagas do curso de Medicina no município de Cachoeiro de Itapemirim. ''Assim que for oficializada, dará continuidade aos procedimentos cabíveis'', disse. No site da faculdade não constam cursos de pós-graduação stricto sensu, que se referem a mestrado e doutorado. ''Programa de Pós-Graduação da Faculdade Multivix oferece cursos de especialização Lato Sensu, nas áreas de Direito, Educação, Gestão, Saúde e Social''.

Para o diretor da Emescam, Flávio Kataoka, a situação é curiosa. ''Como pode o MEC dar pontos para uma instituição que não tem cursos? Isso mudou a classificação. Fomos consultar o MEC e Ministério da Saúde e afirmaram que a instituição não tinha programa de residência'', informou. Assim que tomou ciência da situação, o diretor visitou o MEC para apresentar o problema. ''Os técnicos ficaram assustados e não souberam dar respostas'', afirmou.

Segundo o advogado da Emescam, Daniel Roller, a faculdade entrou com recurso administrativo junto ao Ministério da Educação em 5 de agosto de 2015. ''Estamos ansiosos pelo resultado''. A demora pelo resultado final se deve às instituições terem acionado o Tribunal de Contas da União (TCU). As universidades alegaram que havia falhas no edital e, estas, ocasionaram a manipulação de resultados, vantagens a licitantes, restrição à competitividade ou impacto significativo de resultados.

Em julho desse ano, o TCU decidiu liberar o edital por entender que não havia falhas. ''O tribunal decidiu pelo prosseguimento do certame, apesar de avaliar que a política educacional implantada não traz expansão de mercado para oferta de cursos de Medicina. Ela faria apenas uma redistribuição na oferta dos cursos, com sua interiorização''.

Segundo diretores e reitores de instituições filantrópicas, as regras do edital são absolutamente contrárias ao fortalecimento do Mais Médicos e da atenção primária. A principal reclamação é a comprovação dos itens de capacidade econômico-financeira e regularidade jurídica e fiscal. Segundo o Ministério da Educação, objetivo desta etapa do edital é evitar o risco de descontinuidade das atividades de formação médica pela IES.

Para a diretora da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade do Vale do Paraíba, Emília Angela Lo Schiavo Arisawa, não tem lógica o edital se fixar num dos pontos de análise financeira, como o índice Ebitda, que calcula o lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização. ''A nossa instituição não tem interesse em dar lucro, tem que ser sustentável'', criticou.

Segundo alegam as instituições filantrópicas, esse critério estaria tirando-as da concorrência. ''Estávamos dentro do processo. Fizemos o projeto em parceria com o Hospital Sírio-Libanês e a nossa proposta não foi considerada por causa da análise financeira'', justificou Emília.

De acordo com a diretora, a instituição já tem estrutura na cidade de São José dos Campos, em São Paulo. ''Temos prédio com mais de 6 mil m². Alguém que não tem nada na região, mas tem grande quantidade de dinheiro ganha. Pra onde vão levar a educação?'', questiona.

''Não se pode aplicar a Instituições de diferentes naturezas os mesmos critérios de análise financeira, ou seja, não podem ser aplicados a instituições de fins não-econômicos os mesmos critérios que são aplicados a sociedades lucrativas. Se a Unicamp e a USP, por exemplo, que são IES públicas de renome, fossem analisadas pelos critérios citados acima, não seriam habilitadas pelo MEC'', completou o reitor da Universidade Metodista de Piracicaba, Prof. Dr. Gustavo Jacques Dias Alvim.

Questão política


Em agosto desse mês, prefeitos se reuniram com o ministro da Educação, Mendonça Filho, para cobrar agilidade da pasta no resultado final do edital. Segundo a Frente Nacional de Prefeitos, o ministro colocou outubro como prazo para a assinatura do termo de compromisso com as instituições mantenedoras selecionadas para instalação dos cursos de medicina.

Para o prefeito de Araras (SP), Nelson Brambilla, esse é o momento para abrir os cursos. ''Nós esperávamos que hoje tivéssemos a solução final. Acho que o pessoal ainda não entendeu a importância que tem a abertura de novos cursos de medicina'', disse à época.

De acordo com o diretor da Emescam, Flávio Kataoka, os prefeitos estão preocupados com resultado final antes das eleições. ''Gera um ganho político. Temos receio de que essa pressão política apresse o MEC e erros passem em razão de política''.

Social


As filantrópicas argumentam que o número de alunos de baixa renda aumentaria, se elas fossem escolhidas no edital. Segundo elas, para cada cinco alunos pagantes, uma vaga é destinada às bolsas do Prouni, o que ocasionaria em 410 alunos/ano, no caso do edital. Entre as privadas, a proporção é de uma bolsa para cada nove pagantes – 246 bolsistas no mesmo período. ''Os alunos que vem de famílias de baixa renda são mais propensos a ter vínculos comunitários'', afirma Kataoka.

O Ministério da Educação informou que ''o edital dos novos cursos de medicina ainda está em fase de análise de recursos interpostos''. Até o momento do fechamento da matéria, o MEC não conseguiu informar se a Faculdade Multivix oferece curso de Residência Médica com registro pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM).