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É hora de buscar alternativas de mudança, afirma psiquiatra mineiro
22/08/2016 - 14:09

Foto: Divulgação

Antônio Geraldo da Silva está à frente de um movimento contra o preconceito em relação às doenças psiquiátricas

O psiquiatra mineiro Antonio Geraldo da Silva está à frente de uma empreitada de grande porte. Como presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, comanda uma campanha para acabar com o preconceito em relação a quem possui qualquer doença mental. Isso inclui o próprio paciente, que muitas vezes sente vergonha de sua condição e deixa de buscar ajuda em razão disso. Aos 52 anos, ele já se cansou de ver pessoas com depressão, ansiedade ou outros transtornos psiquiátricos perderem o emprego, namorados, serem chamadas de fracas ou preguiçosas. ''É preciso acabar com isso de uma vez'', diz. ''A população tem que saber que essas doenças existem e que podem ser tratadas.''

Habituado a acompanhar, de dentro de seu consultório, como andam o humor e as emoções dos brasileiros, o psiquiatra diz que hoje a maioria está em compasso de espera, na expectativa de tempos melhores. Nesta entrevista à ISTOÉ, diz que a melhor forma de atravessar a crise sem adoecer mentalmente é continuar planejando o futuro, dividir as dificuldades com a família e não deixar de acreditar no próprio potencial. Como? Uma das maneiras é se inspirar nas histórias de superação dos heróis olímpicos que estão emocionando o mundo.

ISTOÉ – No auge da crise política, houve um aumento no número de pessoas que buscavam auxílio para lidar com o estresse, a depressão e a ansiedade. Isso mudou após o afastamento da presidente Dilma Roussef?

Antonio Geraldo da Silva – Ainda recebemos muita gente com queixas nesse sentido, que estão sem emprego e passando por dificuldades. Mas houve uma mudança de humor perceptível depois do afastamento. Muitas pessoas estão com a expectativa de que as coisas vão mudar. A maioria está em compasso de espera, torcendo para que tudo se resolva logo.

ISTOÉ – Como manter o equilíbrio emocional nesse momento?

Silva – Temos que fazer do limão uma limonada. As pessoas não podem entrar em desespero. É hora de buscar alternativas de mudança, reavaliar o que está fazendo no trabalho, por exemplo, o que pode melhorar seu desempenho, sair da zona de confronto. O importante é identificar o que o aflige e fazer o enfrentamento para se proteger. Se é o medo de perder o emprego, a pessoa deve ver o que pode fazer para se precaver. Entre outras coisas, diminuir desde já os gastos do dia a dia.

ISTOÉ – Muitas pessoas perderam o emprego e têm dificuldades para lidar com o golpe na autoestima que isso provoca. O que fazer para recuperar a confiança em si mesmo?

Silva – De fato, o que estamos vendo é que existem os que estão desempregados porque não apresentaram qualidade de trabalho, mas também aqueles que a empresa sabia que eram bons, mas não tinha mais como pagá-los. Recentemente, em minhas viagens pelo país, encontrei profissionais pós-graduados trabalhando como motoristas.

ISTOÉ – O que dizer a pessoas que estão nessa situação?


Silva – Eles devem continuar buscando perspectivas, planejar um futuro diferente. Como me contou um desses profissionais que hoje trabalha como motorista. Ele está fazendo cursos à distância de graça para aprender outro ofício. É preciso continuar acreditando no seu potencial. O apoio familiar também é fundamental. Nessa hora de dificuldade, deve-se chamar a família e contar a verdade, expor o que está acontecendo. Não se pode mentir e fazer de conta que a vida continua a mesma. Isso é importante para que a família não adoeça.

ISTOÉ – Sediar as Olimpíadas pode ter que tipo de efeito para o brasileiro?

Silva – Positivo. As histórias de superação servem de exemplo para todos nós. O ginasta Diego Hypolito passou por momentos difíceis, teve uma depressão e suplantou tudo isso. O nadador Michael Phelps aparece cheio de marcas de ventosas, usadas para diminuir as dores. Ele não é esse campeão de graça. Vemos a jogadora Marta vencendo seus limites, dando o sangue. Esse tipo de inspiração é preciosa. Não podemos focar apenas nas desgraças.

ISTOÉ – No próximo mês, a Associação realizará o ''Setembro amarelo''. O que pretende a campanha?

Silva – O foco é a prevenção do suicídio. Sabemos que 100% dos que o cometeram tinham algum transtorno mental tratável. Poderíamos salvar essas vidas se as pessoas tivessem acesso ao sistema público de saúde e se falássemos mais sobre as doenças mentais. É uma campanha de valorização da vida.

ISTOÉ – Quais os obstáculos que ainda existem para que enfermidades como a depressão e a ansiedade, muito comuns hoje, sejam tratadas corretamente?

Silva – O grande problema continua sendo o alto preconceito, que persiste. Ele existe na família, no trabalho, no próprio paciente. A doença mental ainda é vista como fraqueza, falta de caráter, falta de interesse para cuidar de si mesmo. É inacreditável, mas existe gente que até hoje afirma que enfermidade mental não existe. É preciso acabar com isso.

ISTOÉ – De que forma?

Silva – Mobilizando a sociedade, como por exemplo divulgando depoimentos de pessoas famosas que sofrem ou sofreram de alguma doença mental. A população tem que saber que essas enfermidades existem.

ISTOÉ – Mas muitos pacientes enfrentam preconceito inclusive de médicos.

Silva – É verdade. Percebemos isso muito frequentemente nos colegas. Por isso, estamos sendo presentes em reuniões, congressos de outras especialidades porque infelizmente alguns profissionais não consideram os sintomas por não terem conhecimento de que se tratam de doenças e que podem levar à morte. Muitas pessoas que se suicidaram foram antes ao médico, que teve a oportunidade de perguntar, investigar. Não se pode desvalorizar essas doenças. Apoiamos um projeto de lei que criminaliza a psicofobia, que é o preconceito contra os portadores de deficiências e de patologias mentais.

ISTOÉ – Como está o andamento deste projeto?


Silva – Já passou pelo Senado e agora está na Câmara dos Deputados. Temos 46 milhões de pessoas no país com patologias mentais. Sofrem preconceito de todo lado. Não conseguem emprego, o pai não deixa a filha namorar com alguém que tem alguma das doenças. Até nós, psiquiatras, somos vítimas. Dizem que somos médicos de doidos. O preconceito é tão grande que foram se criando entraves até na assistência pública.

ISTOÉ – Que tipo de entrave?

Silva – Não temos um remédio novo contra a depressão na lista dos medicamentos oferecidos pelo governo desde 1986. Não há um psicotrópico na farmácia popular. As emergências psiquiátricas são poucas. Na Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde há mais de sessenta pessoas. Há astrólogo, advogado, geneticista. Mas não tem um psiquiatra. Há trinta mil psicólogos trabalhando para o Ministério. Nunca consegui encontrar um.

ISTOÉ – Como explicar críticas de diversos especialistas de que hoje existe um excesso de diagnóstico de doenças mentais e de prescrição de remédios, muitas vezes desnecessários?

Silva – Infelizmente muito colega médico ainda comete falhas na prescrição de medicação psicotrópica e tem muita gente que se auto-medica. Consegue comprar essas medicações sem receita, como é obrigatório. E também observamos a prescrição feita por profissionais totalmente inabilitados para fazer isso, como farmacêuticos. Temos uma bagunça na área que precisa ser organizada.

ISTOÉ – Um dos maiores problemas está no diagnóstico de doenças em crianças.


Silva – Temos hoje no Brasil menos de trezentos especialistas em psiquiatria da infância e adolescência. Portanto, há muitos por aí que não têm formação psiquiátrica e fazem diagnóstico por questionário. Nós sabemos, por exemplo, que o diagnóstico do Transtorno de Hiperatividade e Déficit de Atenção não pode ser feito com base em respostas a uma lista de perguntas. É preciso colher a história de vida, o contexto familiar, a inserção da criança no meio social.

ISTOÉ – E quando dar o remédio nos casos de diagnóstico positivo?

Silva – Primeiro é preciso começar com psicoterapia, com trabalho de mudança de comportamento. Também deve-se ajudar a família junto com a criança, conversar com a escola de forma a auxiliar a instituição a levar o conhecimento até aquele aluno. Colocá-lo para sentar na frente, por exemplo, dar mais tempo para que ele faça os exercícios, a prova. Quando esses recursos não funcionarem, aí sim se entra com a medicação.